O teatro está lotado mas deu para conseguir um lugar, embora bem ao fundo. Sentado ali, você observa a seu lado a mesa de som, com suas dezenas de chaves e botões. Operá-la não é tão complicado quanto pode parecer à primeira vista – lembra você, ao recordar uma explicação sobre aquelas chaves todas espalhadas sobre o painel do aparelho, na verdade um mixer de áudio.
Boa parte dos botões está distribuída em fileiras, cada qual correspondendo a um canal de som a ser tratado separadamente. Quanto mais canais, mais fileiras, e os botões de uma fileira são normalmente idênticos aos da fileira vizinha em suas funções. Nem sempre todos os canais são utilizados ao mesmo tempo: depende da quantidade de dispositivos conectados ao mixer, basicamente de quantos microfones estarão sendo utilizados na apresentação e…
A reflexão é interrompida pelo diálogo do técnico de áudio com seu colega, solicitando o acionamento de uma chave no painel. “Liga o phase invert” diz ele. O que será que eles estão tentando fazer? Deve ser algo que produza alguma melhora no som, pois os técnicos dão-se por satisfeitos com o ajuste efetuado.
Na realidade essa chave está relacionada com a inversão de fase do sinal de áudio, e pode fazer com que um sinal de áudio antes inexistente possa surgir, tecnicamente corrigindo um plug soldado incorretamente ao cabo. Para entender tudo isso é necessário entender o conceito de balanceamento do sinal de áudio. E já podemos adiantar de início que este balanceamento não tem nada a ver com o balanço dos canais esquerdo e direito que estamos acostumados a acionar nos nossos amplificadores em casa ou nos rádios automotivos. Sua função é a de abolir interferências indesejadas e permitir grandes extensões de cabos de áudio.
O som, assim como a água, a luz e os raios-x por exemplo, trafegam através de ondas. Nós não vemos as ondas de rádio que atravessam janelas e tudo ao nosso redor, nem as de luz ou do som. Mas vemos as ondas de água, o que nos ajuda a entender um pouco de seu funcionamento e comportamento. A propagação em forma de ondas envolve a sequência de aspecto conhecido: “picos” sucedendo “vales”. Embora não as enxerguemos, as outras ondas também propagam-se assim. E o mesmo vale para o sinal elétrico que trafega pelos fios levando o áudio de uma extremidade à outra.
Imagine uma sequência de ondas, uma após a outra, todas com as mesmas dimensões, ou seja, a mesma altura dos picos e a mesma profundidade dos vales. Agora, imagine que um desses picos tem, em sua superfície, uma “cratera”, que destoa dos demais picos. As ondas estão sempre propagando-se, o que significa que essa “cratera” vai “andando” sempre para frente. Ela pode representar uma interferência sofrida pelo som em um dado momento. Quando as ondas chegam ao seu destino, lá estará a “cratera”, intacta, causando uma distorção ou chiado no que deveria ser um som limpo e claro.
Mas existe uma forma de anular essa “cratera” – em outras palavras, existe uma forma de anular essa interferência. Vamos imaginar então que nossa onda seja “clonada”, ou seja, vamos ter 2 ondas semelhantes ao invés de uma única. Mas essa segunda onda terá uma característica especial: ela será espelhada em relação à primeira. Assim, onde em uma onda existe um “pico” na outra onda existirá um “vale”. Desta forma, no ponto em que ocorreu a interferência no sinal, existirá, além da “cratera” no “pico” da primeira onda, uma “depressão” no vale da segunda. Podemos dizer que as interferências atuam como variações não previstas na voltagem do sinal e que se as ondas representam uma dada variação de voltagem, no ponto da interferência haverá uma queda repentina e brusca na voltagem, caracterizada pela “cratera” e pela “depressão” representadas alegoricamente na analogia acima. Ou então uma subida repentina, do mesmo modo. Portanto se uma interferência é recebida no meio do trajeto no cabo, ela é recebida igualmente pelos 2 sinais.
A anulação da interferência ocorre no ponto de chegada as duas ondas, onde uma delas é novamente invertida: “vales” tornam-se “picos” e “picos” tornam-se “vales”. Mas algo diferente ocorre no ponto de interferência: a “cratera” em uma onda contrabalança a “depressão” na outra. Mas, dirá você, “cratera” e “depressão” não estão representando ambas uma queda de voltagem? Sim, mas lembre-se que as ondas foram no final invertidas, ou seja, uma queda não prevista passou a anular (cancelar) sua imagem, representada por uma subida não prevista na outra onda.
Na realidade o que se faz é dividir o sinal a ser enviado via cabo por exemplo por um microfone, em dois sinais idênticos. Cada sinal necessita de 2 fios para ser transmitido, mas um deles – o de aterramento – é comum aos 2, e com isso tem-se 3 fios trafegando pelo cabo. Este é o cabo dito balanceado. No cabo simples, desbalanceado, trafegam somente 2 fios, um deles o de aterramento.
Como vimos, um desses sinais, através de um dispositivo eletrônico, tem sua fase invertida na origem do cabo e trafega durante todo o percurso do cabo dessa forma. Lembre-se que inverter sua fase é alterar o momento em que o “pico” da onda está no alto, transformando-a em um “vale”. Ao chegar à outra ponta do cabo, sua fase é novamente invertida, eliminando interferências recebidas pelo cabo em seu trajeto.
No interior do cabo balanceado cada um dos 2 fios (exceto o de aterramento) possui isolação própria, e ambos estão envoltos pelos fios correspondentes ao aterramento, que formam uma malha metálica envolvente. Essa malha denomina-se blindagem. A função da blindagem é proteger a parte interior do cabo de interferências eletromagnéticas externas. Sem ela, essas interferências seriam todas captadas pelo cabo, que é exatamente o que ocorre em uma antena de rádio, que nada mais é do que um cabo sem blindagem.
A blindagem é necessária nesses cabos, através dos quais trafegam sinais balanceados, porque este tipo de sinal é muito fraco, portanto necessitando proteção. Esta proteção pode ser maior ou menor, dependendo de sua qualidade (quantidade de fios na malha por exemplo), porém por melhor que seja ainda assim nunca será perfeita: campos eletromagnéticos extremamente intensos ainda conseguirão atravessá-la. Isso mostra que somente a blindagem não é suficiente para garantir um sinal livre de ruídos e sim técnicas como a do balanceamento do cabo, como o exemplo em questão.
Na ponta deste cabo existe um conector conhecido como XLR (nome mais comum), ou plug Cannon ou ainda plug A3M. Este conector possui 3 pinos, correspondentes ao “XLR”, derivados de Ground (“X“, o “terra”), Left e Right, utilizados para conexão com cada um dos 3 fios que, como vimos, trafegam através do cabo balanceado. Possui ainda uma trava para dificultar sua desconexão acidental – se o cabo for puxado por exemplo.
Cabos balanceados, quando utilizados com determinados tipos de microfones, como os microfones de baixa impedância (baixa resistência interna em seu circuito) permitem o uso em extensões de até 300 metros sem perda significativa na qualidade do sinal transmitido. Câmeras e microfones profissionais possuem conexões deste tipo para o trabalho com áudio.
A maioria das câmeras do segmento semi-profissional e a totalidade das câmeras do segmento consumidor não possuem este tipo de conexão, por diversas razões, como o menor tamanho destes equipamentos, sua menor exigência em termos de qualidade e o menor custo despendido com um tipo mais simples de conexão: a do sinal desbalanceado.
É possível no entanto utilizar cabos balanceados para captar um som de melhor qualidade mesmo em câmeras que não possuem conexão XLR, através do uso de um adaptador chamado transformador de impedância. Este pequeno aparelho eletrônico deve ser colocado o mais próximo possível da câmera, pois ele irá converter o sinal balanceado em desbalanceado (sujeito a interferências), para que através de um pequeno cabo o mesmo possa ser conectado à entrada de áudio da câmera com seu pequeno plug. Originalmente o transformador de impedância serve para ‘casar’ diferentes impedâncias entre dois sinais de áudio – diferentes impedâncias significam diferentes resistências à passagem do sinal e portanto diferentes intensidades de corrente trafegando pelo cabo.
E agora que já sabemos o que é e como se comporta o sinal de áudio balanceado, o que aconteceria se os 2 fios que trafegam o sinal de áudio fossem soldados de forma invertida no plug XLR da ponta de um dos cabos? Imaginou? Todos os “vales” de uma onda cancelando todos os “picos” da outra, ou seja, som algum na ponta do cabo. É por isso que alguns equipamentos, como determinados modelos de mixers, possuem uma chave no painel para desinverter esses sinais, se for o caso. Trata-se da “phase invert” cujo acionamento nosso colega sugeriu para corrigir o problema da ausência de sinal no microfone antes do show começar. Ah, e por falar nisso….
Uma parceria com ::Fazendo Video (texto)
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