A linha do tempo do cinema pode ser fixada nas primeiras décadas do século 19, quando alguns aparelhos para mostrar imagens em movimento foram criados. William Horner, Simon Von Stampfer e Joseph Plateau são nomes de alguns dos inventores dessas máquinas, respectivamente na Inglaterra, Áustria e Bélgica. Eram, na verdade, dispositivos que criavam a ilusão do movimento ao exibir pequenas sequências de desenhos com ligeiras variações entre eles, por exemplo o de um cavalo cavalgando.
Com estranhos nomes (Joseph com seu Phenakistoscope, Simon com seu Stroboscope e William com seu Zoetrope) esses criadores estavam dando a partida no uso de imagens em movimento como entretenimento do grande público. Certo que essas máquinas eram pequenas e possibilitavam a observação das imagens apenas a uma pessoa por vez, mas, mesmo assim, era o início da longa linha do tempo que iria acabar, um dia, nas salas de cinema 3D.
O Zoetrope de Horner ressurgiria ainda, bem mais tarde, na forma de instalações interessantes em diferentes lugares do mundo e até inusitados, como estações de metrô. O video-artista norte-americano Bill Brand fez uma instalação em 1980, em uma plataforma desativada dentro de uma estação do metrô novaiorquino no Brooklin, reproduzindo o mecanismo do Zoetrope de Horner, porém de forma linear. No aparelho de Horner as imagens eram desenhadas no interior de um cilindro, em sua parte inferior, e observadas através de fendas colocadas na parte superior do cilindro. Bill Brand construiu um extenso painel ao longo da plataforma, com fendas e, atrás delas, colocou desenhos que, vistos de dentro dos trens em movimento, davam a impressão de animação desses desenhos. Diversas outras instalações parecidas foram feitas desde então em muitos países, inclusive com uso comercial, como por exemplo os painéis colocados no interior do túnel que liga duas estações do Metrô em uma das linhas da cidade de S.Paulo
A história segue com o experimento realizado pelo inglês Muybridge nos EUA: em 1872 ele foi contratado por um empresário de corridas de cavalo para resolver uma intrigante polêmica sobre o fato das quatro patas de um cavalo de corrida em determinado momento ficarem todas sem contato com o solo ou não. Ele então colocou diversas câmeras fotográficas alinhadas com o percurso de um cavalo, que eram disparadas por um mecanismo ativado pelas patas do animal. As imagens, copiadas em forma de silhuetas foram montadas em um disco e puderam ser vistas em uma máquina parecida com as descritas acima, denominada Zoopraxiscope. O experimento trouxe 3 resultados importantes: sim, as quatro patas ficavam em determinado momento no ar, não, os pintores estavam enganados ao representarem as patas dianteiras e traseiras completamente esticadas e estava dado o primeiro passo para associar imagens fotográficas ao registro de movimento.
Mas ainda não se pensava em utilizar o invento para fins de entretenimento e sim para pesquisas. Nesse ano por exemplo, o fotógrafo francês Albert Londe foi contratado por um neurologista em um hospital em Paris para fazer diversos estudos, entre eles, de movimentos musculares de pacientes com diversas doenças. O cinema de hoje nascia, em seus primórdios, como um equipamento científico e iria permanecer assim durante bom tempo, embora ainda não de forma muito prática, necessitando complicados processos de montagens para se captar os movimentos.
Mas em 1882 um cientista, estudioso da fisiologia, o francês Marey (Étienne-Jules Marey) construiu uma câmera fotográfica para estudo do movimento, sob a forma de uma espingarda, que possuía em sua parte superior um magazine para película fotográfica, lembrando bastante as futuras câmeras cinematográficas. O formato de espingarda facilitava a “mira” e com ela, capaz de registrar 12 frames em um segundo (a capacidade do magazine), Marey estudou o movimento de uma grande variedade de seres vivos: insetos, pássaros, répteis, seres humanos e muitos outros, inclusive microscópicos. É de Marey o famoso estudo que mostrou como os gatos caíam sempre da mesma forma ao atingirem o chão.
Chegamos então no ano de 1888 quando, de fato, tem-se o registro do primeiro filme da história ou, pelo menos, o primeiro que sobreviveu e pôde ser documentado e restaurado. Ele é, de fato, um “curtíssima-metragem”; com somente 2.11 segundos, filmado a 12qps no dia 14 de outubro desse ano, registra quatro pessoas caminhando em um jardim em Leeds, na Inglaterra. Por este filme, denominado Roundhay Garden Scene, seu realizador, o francês Louis Aimé Augustin Le Prince é por muitos considerado o verdadeiro pai do cinema.
A câmera utilizada ainda era a de Marey, limitada a seus 12 frames, mas no ano seguinte, 1889, essa limitação iria começar a desaparecer, quando o fotógrafo britânico William Friese-Greene patentearia uma câmera que poderia funcionar a 10fps, utilizando tiras maiores de película, agora, perfuradas. Seu invento, chamado chronophotographic camera, foi noticiado pela imprensa e William enviou um recorte da notícia para Thomas Edson, nos EUA, dono de uma empresa que mantinha um laboratório de pesquisa que havia construído o Kinetoscope. A chronophotographic camera fazia o registro de imagens e o Kinetoscope era, na verdade, uma máquina de exibição de filmes. Mas não como a conhecemos hoje, em formato de projetor. Não era um projetor e sim uma grande caixa com um visor em sua parte superior. As pessoas então, individualmente, olhavam pelo mesmo e viam o filme, que era tracionado no interior da caixa através de diversas roldanas e polias.
O sistema foi desenvolvido e aperfeiçoado, após a diretriz inicial de Edson, por Dickson (William Kennedy Lauren Dickson, funcionário de seu laboratório). Com o tempo, desenvolveram também uma câmera para registro das imagens para o Kinetoscope, antes montadas a partir de processos de fotos individuais – chamada Kinetograph. Esta câmera, patenteada em 1891 foi considerada a primeira filmadora, no sentido como a conhecemos hoje. Do século 19 em diante, como mostram esses exemplos, cada vez mais tornou-se comum determinado invento ser criado aos poucos, através de diversos pesquisadores que iam aperfeiçoando-o.
O Kinetograph tinha a concepção das câmeras atuais porque utilizava filmes em comprimentos bem maiores do que os utilizados até então e porque utilizava o famoso 35mm. Não havia, à época, essa bitola e sim películas de 70mm para fotografia still. O que Edson fez foi encomendar a George Eastman da Kodak algo que pudesse utilizar em sua câmera e a largura de 70mm era, além de impraticável para a época, mecanicamente, altamente custoso também. Eastman então ofereceu a possibilidade de simplesmente cortar duas bobinas de 70mm ao meio, preservando seu processo de fabricação, que havia consumido uma soma considerável em investimentos. Nascia assim a película de 35mm, que anos mais tarde voltaria às suas “origens”, sendo embalada em cartuchos para câmeras fotográficas portáteis, permanecendo assim até poucos anos atrás – antes do surgimento da captura digital.
Edson não aproveitou o invento de Friese-Greene, que carecia de estabilidade mecânica e oferecia uma experiência ruim de visualização devido ao baixo frame-rate. Continuaria desenvolvendo o Kinetoscope e faria, com ele, 5 anos mais tarde, em abril de 1894 a primeira exibição comercial cinematográfica da história, em NY, mas, ainda bem diferente do que conhecemos hoje: um salão, com 10 Kinetoscópios, onde as pessoas compravam inseriam uma moeda para ver, individualmente, as imagens em movimento nos aparelhos.
Um outro inventor daria então mais um passo no desenvolvimento do cinema, literalmente tirando o da caixa e levando-o às paredes: o americano Charles Francis Jenkins e seu Phantoscope. No mesmo ano em que Edson fazia suas sessões com o Kinetoscope, Jenkins fez a primeira projeção de cinema da história em um pequeno auditório em Indiana. O Phantoscope foi o primeiro aparelho que, diferentemente dos de até então, parava cada fotograma do filme frações de segundo na máquina antes do filme ser puxado, um processo utilizado até hoje nos projetores mecânicos de cinema ainda instalados em algumas salas, realizado, na época, através de um complicado sistema de correias e engrenagens. Com isso, a projeção ganhou a estabilidade que o filme de Edson, tracionado continuamente, não possuía.
Surge então na história do cinema a presença de dois irmãos franceses, filhos de Claude-Antoine Lumiére, que possuía um negócio no ramo da fotografia. Os irmãos, Auguste e Louis, trabalharam na empresa do pai e, quando este aposentou-se, passaram a aperfeiçoar o Phantoscope de Jenkins. Uma das primeiras melhorias foi a introdução das perfurações para controle mais preciso do processo de pausa e avanço da película. Após introduzir outras modificações na concepção do aparelho, acabaram criando o Cinematógrafo, que tinha um duplo papel: era, ao mesmo tempo câmera e projetor, tendo sido patenteado em 1895. Com ele, filmaram cenas da saída de trabalhadores da fábrica Lumiére. No final desse ano, fizeram a primeira projeção comercial de um filme em um café parisiense, mostrando 10 pequenos filmes (nascia ali o primeiro festival de curtas da história!). Cada um dos pequenos filmes tinha duração pouco menor do que 1 minuto, mas tornou-se um novo marco no desenvolvimento do cinema.
A partir daí novos filmes foram feitos e o cinema começou pouco a pouco a atrair atenção do público. Ainda nesse ano os irmãos filmariam L’Arrivée d’un train en gare de La Ciotat, não mais do que 50segs de projeção mostrando uma locomotiva puxando um trem, vista de um ângulo próximo ao dos trilhos, na plataforma. O público assustava-se com a visão da locomotiva aproximando-se e chegavam, muitos, a levantar de suas cadeiras, em um instinto de fuga. Estava demonstrada ali a capacidade do cinema de mexer com emoções e aberto um longo campo para experimentações que viriam trazer idéias antes levadas nos teatros, agora para um meio mais fácil e poderoso na manipulação da realidade a serviço de uma história.
Essa história não precisava ser um documentário da realidade e o ilusionista francês Méliès (Marie-Georges-Jean Méliès) percebeu isso, sendo um dos primeiros a enxergar a possibilidade que o cinema trazia para a realização de diversos truques. Um dos seus mais conhecidos filmes é Uma viagem à Lua, com a famosa cena do foguete atingindo um dos olhos do satélite da Terra. A história de Melies foi retratada em 3D por Martin Scorsese como parte do roteiro do premiado filme A Invenção de Hugo Cabret, homenageando-o como pioneiro dos efeitos especiais.
Um desses truques, o stop-motion, criou sensação quando foi empregado pela primeira vez em um de seus filmes. Inicialmente fruto de uma descoberta acidental, passou a ser utilizado por Meliés propositadamente, ao interromper alguma cena, mudar seus personagens e voltar a filmar. Para o público da época, que nunca havia visto aquilo, algo tão inexplicável quanto os mais elaborados truques digitais da atualidade.
Edson, Lumiére e Melies ajudaram, cada um a sua forma, a trazer para o mundo o registro, real ou ficcional, das imagens em movimento. Muitos outros criadores, centenas deles, surgiram no decorrer dos anos, cada um contribuindo com algo para o desenvolvimento do cinema. A história continua, com o cinema digital abrindo cada vez novas e maiores possibilidades na chamada sétima arte.
Uma parceria com ::Fazendo Video (texto)
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