Enquanto as apresentações de filmes mudos nos pequenos teatros em Paris eram realizadas, os bastidores tecnológicos da época mostravam uma movimentação em busca da complementação que faltava à imagem em movimento: o áudio. O processo paralelo em voga tentava suprir essa lacuna com pianistas e outros músicos tocando ao vivo durante as apresentações, enquanto aparelhos estranhos eram testados nos laboratórios, como o sistema Dickson Experimental Sound Film, ainda nos derradeiros anos do século 19.
Com ele William Dickson produziu, entre 1894 e 1895, o primeiro filme com áudio registrado ao vivo, com menos de meio minuto de duração, gravado no estúdio cinematográfico Black Maria do renomado pesquisador e inventor Thomas Alva Edison, em New Jersey. O filme mostra Dickson tocando um trecho da ópera Les Cloches de Corneville, literalmente na “boca do trombone”: com seu violino, na frente de um enorme cone metálico com cerca de meio metro de abertura, fazendo o papel de microfone para o registro em um fonógrafo criado por Edison anos antes. A seu lado dois homens dançavam ao som da música.
Os maiores obstáculos eram no entanto, entre outros, problemas de sincronização. Em uma época ainda décadas distante de qualquer meio eletrônico de controle de tempo e velocidade, após determinado tempo fatalmente imagem e som estavam (muito) defasados. Havia também o problema do cone: os sons que podiam ser registrados eram os que podiam ser reproduzidos na frente do enorme dispositivo, ou seja, limitando severamente as possibilidades de som para um determinado filme. E, por último, não haviam ainda os amplificadores, trazidos pela eletrônica juntamente com os tweeters, sub-woofers e toda parafernália que nos faz viajar embarcando nos filmes dos home theaters. E nem ainda os sistemas rudimentares de som amplificado, presentes no início do século 20.
Alguns anos portanto ainda teriam que se passar até a primeira exibição pública de um filme sonoro, ocorrida em Paris em 1900, e mais ainda até o processo torna-se comercialmente viável, a despeito da resistência inicial de Chaplin: foi somente na década de 20 que tornaram-se populares os filmes com diálogos sincronizados, conhecidos como talkies. Essa época viu também, ao mesmo tempo, surgirem as primeiras tentativas de sincronização efetiva de áudio e imagem, uma vez que as tentativas de sincronizar aparelhos distintos (reprodutor de áudio e projetor) de forma mecânica nunca tiveram sucesso absoluto. A idéia era acrescentar o áudio na própria película exibida no projetor, em uma das margens do lado das perfurações de tração da fita. Nascia o som óptico.
É possível compreender seu funcionamento se imaginarmos os trechos de representação gráfica do áudio em programas de edição, com suas rápidas ondulações formando um traçado que lembra um pouco o do conhecido eletrocardiograma. Esse traçado era gerado por uma fonte de luz encoberta por um obturador que abria e fechava rapidamente, em sincronismo com as variações de intensidade do sinal de áudio a ser gravado – frequência do áudio. Registrado da mesma forma que as imagens do próprio filme, necessitava ser revelado junto com ele e com a revelação som e imagem já estavam prontos.
Na projeção uma lâmpada iluminava essa trilha de fendas variáveis e do outro lado um sensor registrava a variação luminosa, enviando o sinal elétrico para ser amplificado e enviado aos alto-falantes – surgiam assim melhorias na reprodução do áudio nos cinemas. A implementação do áudio registrado diretamente na película levou a uma modificação no frame rate até então utilizado nos projetores. O cinema da época era projetado a 16 ou 18 quadros por segundo. No entanto, nessa cadência a qualidade sonora reproduzida pelas faixas luminosas ali gravadas era muito ruim. Foi preciso aumentar a velocidade para melhorar a reprodução, sem no entanto aumentá-la mais do que o necessário: havia do outro lado o alto custo da película. A alteração levou em conta também a existência do conhecido fenômeno do flicker (cintilação) nas imagens em cadências mais baixas: pesquisas da época indicavam o desaparecimento visível da cintilação em frequências de apresentação de imagens superiores a 48 imagens/seg. Naturalmente essa velocidade era economicamente, antes de qualquer outra coisa, inviável. Por outro lado, aumentando ligeiramente a cadência de 18 para 24 quadros desapareciam os problemas da reprodução sonora. A equação foi fechada padronizando-se a cadência de imagens no cinema em 24qps e fazendo-se uma modificação no obturador presente nos projetores, que passava a exibir o mesmo quadro de imagem 2 vezes, resultando nas 48 imagens mostradas por segundo, embora continuassem a passar pelo projetor 24 quadros/seg.
As décadas seguintes viriam surgir uma enorme quantidade de sistemas; nomes como Kinetophone, Tri-Ergon, Movietone, Photokinema, Vitaphone e muitos outros surgiam, associações entre empresas eram feitas, sistemas criados a cada ano traziam inovações tecnológicas. Não muito diferente do mundo de hoje, onde cada feira da indústria eletrônica traz um novo formato de vídeo: câmeras híbridas, XDCAM EX, AVC-INTRA, gravação em cartões de memória, disputas de padrões…
Enquanto o Fantasound encantava as platéias da década de 40, o Cinerama e o Cinemascope traziam o som magnético nas décadas seguintes, em forma de estreita fita aderida nas bordas da película. O som óptico no entanto retornaria com o Dolby Stereo na década de 70, convivendo a seguir com o magnético (Dolby Surround) e novamente sucedido pelo sistema óptico na década de 80 com o Dolby Stereo SR, Dolby Digital e DTS até os dias de hoje.
A década de 60 via surgir as câmeras compactas de 8mm e Super-8, com a opção de gravação sonora na própria câmera, utilizando o áudio magnético. No meio profissional no entanto empregava-se a conhecida claquete para função adicional à aquela para que foi criada: além de marcar as cenas, passava agora a ajudar a sincronização do áudio. Na fase de finalização o áudio, gravado em equipamentos de grande fidelidade sonora (época áurea de equipamentos portáteis como o Nagra) era sincronizado através da imagem do fechamento da claquete ajustada com o som de sua batida. Hoje as claquetes evoluíram ainda mais, com visores digitais contendo o timecode da cena, entre diversas outras informações.
O vídeo viu-se livre de todos esses problemas envolvendo o registro do áudio desde o seu início, uma vez que sua mídia já era a própria fita magnética, também empregada a muitos anos já para gravar áudio. Seu tamanho foi encolhendo, dos formatos de fitas de 5 cm de largura para pouco mais de 6mm (HDV por exemplo). E também modificou-se ao longo do tempo a disposição das trilhas sonoras na fita. Originalmente de baixa fidelidade, dispostas ao longo do comprimento da fita, como no VHS logo após sua criação, ganhou fidelidade Hi-Fi anos mais tarde com a gravação feita pelo mesmo cilindro giratório que registrava as imagens, em trilhas diagonais. Requintes de sincronismo antes nem sonhados pelos criadores do Movietone: a trilha de áudio digital dos nossos dias não é contínua, e sim fragmentada em milhares de pedaços inclinados e justapostos na fita, mesmo processo aliás, empregado pelas imagens ali gravadas. O controle da movimentação precisa da fita, somado com o giro a quase 10.000 rpm do cilindro da cabeças (9.600 rpm no formato Mini-DV), a bufferização e o processamento eletrônico de toda essa informação é capaz de “emendar” todos esses trechos, de forma a que não percebamos segmentos e sim o áudio contínuo.
As memórias solid-state, como os cartões do tipo P2 empregados em câmeras da Panasonic como a AG-HVX200 ou o Express Card empregado nas câmeras XDCAM EX da Sony, ou ainda as do tipo embutido, não removíveis, presentes em câmeras do segmento consumidor ou mesmo aparelhos celulares, registram o áudio também automaticamente sincronizado com o vídeo.
E o casamento som+imagem continuou rendendo frutos, ou melhor, “filhos” : o áudio “cresceu” e especializou-se, deixando o som mono e até mesmo o estéreo para trás. Surge a distribuição espacial do som, o surround. No início, atrativo exclusivo de filmes repletos de efeitos sonoros, levando milhares de pessoas às platéias para conferir terremotos “ao vivo”. Naves espaciais, sons de gerra e todo tipo de efeito executado em sistemas como Dolby Digital Surround EX ou DTS encantavam platéias com o mesmo entusiasmo da época do Vitaphone. Posteriormente, com o surgimento dos home theaters, a exclusividade foi trazida para o sofá da sala ao mesmo tempo em que a pipoca migrou das máquinas pipoqueiras para o forno de microondas. A queda de preço nos projetores e sistemas de áudio domésticos trouxe a proliferação dos micro-cinemas domésticos.
O áudio perdia parte de seu atrativo diferencial no cinema, que voltou a depender da qualidade do roteiro dos próprios filmes e da briga com o mercado paralelo de DVDs para manter seus frequentadores. E uma nova evolução surge no horizonte, vindo para ficar: o cinema digital. Projetores digitais hoje em dia são capazes de reproduzir a qualidade fotográfica das películas, embora ainda não presentes na maioria das salas, que mantém equipamentos de menor resolução para exibição de traillers e comerciais. A captação de filmes em formato digital em alguns anos superará a captação tradicional em película, mas bem antes disso a exibição digital estará dominando todas as salas.
Apenas uma história, igual a tantas outras como a da evolução do automóvel ou dos computadores, trazendo cada vez mais tecnologia integrada a custos cada vez menores.
Uma parceria com ::Fazendo Video
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